quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Algumas palavras

Estou retornando somente hoje, segundo dia do ano, ao blog, depois de muitos dias de recesso. Um triste hiato em minha vida. Retorno, não sem antes escrever algumas linhas sobre meu progenitor. São testemunhos pessoais, de um filho, em homenagem à figura paterna que nos deixou, a mim, minha mãe e meus irmãos, em meados de dezembro último. São reminiscências que guardei de sua vida e da minha, companheiros de viagem que somos nesta jornada terrena. Que o leitor me perdoe por essas particularidades tão únicas, tão minhas e da minha família e de quem o conheceu e conviveu com ele nesses anos todos. Mas é preciso.

***
A primeira imagem que guardo de meu pai, ali pelos cinco, seis anos, é ele numa oficina trabalhando, rodeado de instrumentos de medições, testes, rádios, eletrolas e TVs. Para uma criança, convenhamos, um mundo mágico que se abria, científico e espacial, onde os botões controlavam as máquinas. Tal e qual aos filmes vespertinos que alguns de nós começávamos a assistir na TV.
Meu pai foi um dos primeiros rádios-técnicos da Laguna. Aprendeu sua profissão pelo Instituto Monitor, por correspondência.
Foi pioneiro juntamente com Aliatar da Silva Barreiros e Willy Strack, este consertando somente rádios da marca Philips. Antes, de 1952 a 1960, apresentou na Rádio Difusora dois programas: um esportivo, das 11h30m às 12:00h; outro, com músicas românticas, após a Hora do Brasil, das 20h às 20h30m. Isso depois de ter sido aprovado em teste de locução realizado por Nelson Almeida, lenda viva do rádio catarinense.
Bem antes disso, já participava dos desfiles do então Clube Carnavalesco Xavantes, tendo sido um de seus sócios fundadores, a convite de Remi Fermino, em 1946. Clube que surgiu numa das mesas do Café Tupi, por membros do Cordão Carnavalesco Bola Preta.

Mas a televisão, surgida pelas mãos de Assis Chateaubriand em 1951, se espalhava pelo Brasil. Na década de 60 começavam a chegar a nossa cidade os primeiros televisores, como então eram denominados. Seus proprietários os adquiriam em Porto Alegre.
Os dois primeiros aparelhos na Laguna foram adquiridos por Cid Ceconi Costa e Salun Jorge Nacif, da marca Telefunken.
Mas o sinal transmitido era o pior possível, os chuviscos imperavam mesmo com altíssimas antenas instaladas, as famosas espinhas de peixe. O sinal aqui chegava péssimo, de uma retransmissora instalada em Torres-RS. TV Piratini e Gaúcha, afiliadas da Tupi e Globo, respectivamente. Bem por isso, e durante muitos anos, sabíamos mais do noticiário gaúcho do que catarinense, sem falar que líamos por aqui o jornal Correio do Povo, do Grupo Caldas Júnior.
Na Loja M. J. Remor, de nossa cidade, primeiramente, e depois também na Loja Galeria Gigante, os aparelhos começavam a ser comercializados.
O bancário Munir Soares, por exemplo, adquiriu um televisor da marca Admiral, na Loja M.J. Remor. Pagou à vista. Cash. Uma fábula. Motivo de admiração para a época, entre clientes e funcionários. Mas outros eram os tempos e os bancários ganhavam muito bem.
(Meus sinceros agradecimentos a ele, pelo carinhoso e saudoso escrito sobre meu pai publicado em sua página no Jornal A Crítica).

Foi quando o Rotary Clube de nossa cidade e a Associação Comercial lideraram uma campanha para instalação nos altos do Morro Nossa Senhora da Glória de uma antena retransmissora. E assim foi feito.
O saudoso Carlos Cordeiro Horn foi o técnico responsável pelos ajustes e pela manutenção do equipamento, à válvula e que nas noites de chuva e nordestão pifava constantemente. Ou faltava energia e o sistema desligava e era preciso lá subir para refazê-lo. Era um Deus-nos-acuda, principalmente nos capítulo finais de telenovelas, como O Direito de Nascer, Meu Pé de Laranja Lima, Beto Rockfeller, Irmãos Coragem, Selva de Pedra e tantos outros programas.
Várias vezes meu pai acompanhou Carlos Horn na subida ao Morro, em jipe da prefeitura ou num fusca de Mário José Remor, à noite, com chuva e vento.

Em meados da década de 60, fomos morar em Sarandi-RS, região metropolitana de Porto Alegre. Meu pai foi fazer um curso para consertar televisão em cores que estava surgindo. Depois voltamos à Laguna, em 68.
De lá meu pai trouxe uma TV desmontada, dezenas de peças recolhidas e compradas aqui e ali e ele mesmo manualmente fez um chassi de alumínio para os soquetes das válvulas, ganhou um tubo de imagem usado que deu “uma carga” e aumentou sua vida útil, ganhou a caixa de madeira de uma Empire Bonanza e com ajuda de um esquema foi montando ele mesmo o aparelho, à noite, depois do serviço. Lá pelas tantas o negócio funcionou, em P&B, e durante as tardes eu convidava a gurizada toda para assistir a filmes lá na pequena sala de casa, nos altos do morro, na rua Voluntário Benevides. Eram já chamados de televizinhos. E dá-lhe Rim-Tim-Tim, Perdidos no Espaço, Viagem ao Fundo do Mar, Terra dos Gigantes, Vigilante Rodoviário, Túnel do Tempo...
Sempre de olho no estabilizador, regulando o botão, para mais ou menos, conforme a oscilação da tensão. Meu Deus! Que tempos jurássicos. E foi ontem. Até parece!

A primeira transmissão colorida no Brasil, vocês sabem, foi a Festa da Uva, em Caxias do Sul. Mas lembro-me bem é da transmissão da Mini-Copa em comemoração ao Sesquicentenário da Independência, em 1972. Ninguém tinha televisor em cores por aqui. Apareceu a novidade e a título de mostruário de uma loja um televisor foi instalado sobre duas mesas nos fundos do salão do Clube Blondin. Nos horários dos jogos o local lotava, dezenas de cadeiras espalhadas. Jogos coloridos realmente, não mais aquela empulhação de telas de papel celofane, plásticas, embusteiras, lembram?

Na minha mocidade até aprendi um pouco da profissão do meu pai. Trocava o carvão das enceradeiras (enceradeiras, alguém ainda lembra disso?). Um transístor ou outro de um rádio portátil a pilha, soldava aqui e ali. Mas não levava jeito pra coisa por dois motivos básicos: tinha medo de choque elétrico e não tinha curiosidade sobre o funcionamento dos aparelhos. Meu pai dizia que sendo assim não havia como desempenhar bem a função. Daí que fui estudar e tomei outro rumo. Depois, em meados da década de 80 meu pai se aposentou e fechou a oficina, situada na esquina da Praça da Bandeira com Treze de Maio (hoje República Juliana).

Meu pai gostava de conversar. Muito. Mas não se abria assim com desconhecidos. Mas depois de feita a amizade falava sobre tudo, até porque lia muito e sempre acompanhava os noticiários, estava sempre muito bem antenado. Sentava nos bancos do Jardim Calheiros da Graça e ficava horas conversando com seus amigos e colegas.

Tenho muitas anotações de suas conversas, dos carnavais lagunenses e do rádio, principalmente dos profissionais e programação da Rádio Difusora. Fiz perguntas, indaguei muito e anotava sempre, na minha memória e aqui no computador.

Sua doença pegou a todos nós de surpresa, foi violenta e rápida, impossível tratar metástases num homem de 83 anos, já debilitado fisicamente, conforme os médicos. Foram 21 dias que ficamos ao seu lado, eu e minha irmã, diuturnamente.
Nas longas e intermináveis noites juntos, olhando seu semblante sereno, fui incapaz de ler e escrever. Houve um bloqueio de minha parte. Mas conversamos muito, muito mesmo, como sempre o fazíamos, durante anos. Histórias foram repetidas, confirmadas e nos breves momentos onde a dor se dissipava falávamos da finitude da vida terrena e de um lugar além da linha do horizontes melhor para se viver em paz, como na canção.
Um lugar onde se possa rever familiares e amigos que já se foram há tempos, meditar sobre o que a gente deixa de bom e útil e contemplar a paz e o amor sempre sonhado e desejado. E mergulhar na eternidade, tendo a certeza que se deixou frutos e exemplos de caráter, de honestidade, exemplos de uma vida.
Adeus meu pai e até um dia.

Um comentário:

  1. Caro jornalista: Há algum tempo não visito sites e blogues mas hoje resolvi ler um pouco nas fontes virtuais. Excelente este relato que você faz nesta postagem. Além de dados históricos que interessam a todos nós, dois fatos ficaram evidentes: voce teve um pai amigo, exemplar e estudioso e conseguiu passar ao leitor uma bela mensagem do que foram seus íntimos e importantes momentos finais com a figura paterna. Parabéns por este testemunho que demonstra sua serenidade e o sentimento de admiração por seu progenitor. Com certeza você tem motivos para se orgulhar de seu pai. Abraço da Fatima Barreto Michels.

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