terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O Morro do pau de sinal

Muito antes de ser conhecido como Morro Nª Sª da Glória, em homenagem à imagem da Santa, inaugurada em seu topo em 31 de maio de 1953, o local teve outros nomes.
Morro da Figueirinha, Morro da Atalaia e Morro do pau do Castelo foram os primeiros.
Mas Morro do pau de sinal foi sua denominação mais conhecida. Por quê?

No velho porto lagunense, situado no centro da cidade, ao longo do cais de granito em forma de elipse (construído a partir de 1910), as entradas e saídas dos navios eram reguladas pelo vento, suas viradas e chegadas. Isso no tempo da navegação à vela, evidentemente.

Navios à vela e a vapor no velho porto, já com o cais em granito
sendo construído. E no canto superior direito, o velho mercado.


Na então chamada rua da Praia (Gustavo Richard), estavam estabelecidas as empresas exportadoras, as atacadistas, as de secos & molhados, as agências dos navios e os depósitos para armazenamentos de mercadorias.

A vida cultural e social girava em torno do local. Eram por ali que circulavam os comerciantes, os atravessadores, os marujos, os carregadores, os carroceiros. Negócios eram realizados, compras e vendas. Ali também desembarcavam os iates e canoas com pescado, mercadorias e gêneros produzidos no interior da Laguna e também provenientes de Araranguá, Arantingaúba e Rio d’Una.
É também de onde chegavam passageiros vindos de outras praças, Desterro, Rio de Janeiro... trazendo novidades em moda e literatura e os mais recentes lançamentos.
Navios como o “Laguna”, “Rio Formoso”, “Rio São Mateus”, “Anna” e “Max”, marcaram épocas.

A frequência das chegadas e partidas dos navios despertava enorme interesse na população Pode-se dizer que era um espetáculo, uma atração naqueles modorrentos dias.
Tanto quanto quando das embarcações à vela, como posteriormente as movidas a vapor.

Mas como controlar esse movimento? Como avisar à população da chegada e partida de um navio pela nossa barra?

Para isso foi implantado o semáforo (sinalizador) no alto do morro, sistema apelidado e simplificado apropriadamente pelo povo, como sendo o Pau de sinal. 
 
O Pau de sinal no alto do Morro. Foto: Marega
Ruben Ulysséa, numa memorável crônica publicada no jornal Semanário de Notícias, de 4 de junho de 1977, e depois reproduzida no livro “Laguna memória histórica”, págs. 312/313, conta-nos em alguns parágrafos, testemunha ocular que o foi, como se dava a operação. Vejamos:

(...) “Apesar de o espetáculo ser frequente, a chegada de um paquete despertava sempre o interesse da população. Primeiro era um galhardete branco içado na verga superior de pau-de-sinal, lá no alto do morro e que queria dizer – “navio ao norte”. Depois, conforme a posição de uma galhardete azul içado junto com o branco, vinha a indicação de ser o navio de vapor ou de vela. Passado algum tempo, o sinaleiro, por meio das bandeiras e da sua posição nas vergas, informava que a embarcação se aproximava da barra, a que empresa pertencia, qual a profundidade da barra, que o prático já aguardava o navio para conduzi-lo até o porto.
Todos conheciam aqueles sinais e ficavam de olho no semáforo embandeirado.
Finalmente o sinaleiro levantava no topo do mastro a bandeira da chamada, isto é, anunciava que o navio ia entrar. (A bandeira da chamada devia ser verde, que é a cor adotada para indicar passagem livre, mas era vermelha).

A cidade toda se agitava. Alguns já haviam tomado o seu cavalo e seguido para o morro da Vigia a fim de olhar a entrada do barco lá no canal da barra. Mas, a maioria dos curiosos se juntava na rua da Praia (Gustavo Richard), aguardando que ele aparecesse por detrás da ponta das Pedras. E sempre causava sensação quando ele apontava, com o seu bigode de espuma.
Depois era a atracação do navio numa das pontes de madeira que se alongavam, sobre estacas, da praia até o canal e que serviam às embarcações de barra-a-fora. (Não havia ainda o cais acostável que só ao fim da década chegava às vizinhanças do antigo mercado). Todos comentavam a manobra, com pretensão de entendidos: “Agora, agora, solta o ferro!”.
Atracado o navio, começava o desembarque dos passageiros e vinha o abraço ruidoso, com exclamações, nos amigos que chegavam: “Puxa, há quanto tempo!”. E a infalível pergunta: “Que tal a viagem?”.
Depois se seguia a animação da descarga, comandada pelo piloto, que era quem dirigia o trabalho, o ranger de cordas retesadas, o matraquear dos guindastes do próprio navio, o vaivém dos estivadores, o seu Porto, guarda da Mesa de Rendas, que passava fardado, sobraçando papéis. A rua da Praia era uma festa que durava dois ou três dias (quando a barra estava ruim a demora era maior) porque, após a descarga começavam os embarques, com o mesmo movimento de carroças, paioleiros e estivadores”. (...)

Já Saul Ulyyséa em seu livro “Laguna de 1880”, pág. 74, também descreve as manobras, com o subtítulo “A saída de navios”:

“Outro divertimento agradável: assistir a saída de navios, observada do alto da “Vigia”, assim chamado um local do Morro do Pau de Sinal.
Como eram muitos os navios à vela e só saiam quando soprava vento do quadrante sul e a barra permitia, acontecia que ficavam muitos navios no canal da barra esperando saída.
Por vezes saíam seis e até dez navios no mesmo dia. Iates e navios de cruz.
Lá iam um atrás do outro, disputando corrida.
Inegavelmente é muito mais bela a navegação à vela que a vapor. Esses navios ao enfunarem o velame, produziam um espetáculo admirável.
Quando os mais velozes passavam os de menos carreira, motivava discussões e os partidários do navio derrotado, davam como causa da derrota, estar o navio muito carregado, descompassado ou com o fundo sujo”.

Um folheto trazia as bandeiras e seus significados

Um farmacêutico lagunense, o senhor Antônio P. da Silva Medeiros (progenitor do seu Alceu Medeiros e portanto avô, entre outros, do Luiz Eduardo Pinho Medeiros, o Putuca, do Juarez Fonseca de Medeiros e da Neneca), proprietário da tradicional “Pharmacia Medeiros”, situada na rua Raulino Horn, mandou imprimir folhetos com o logotipo de seu estabelecimento comercial e endereço.

No tal folheto, os sinais das bandeiras nas cores, branco, azul e vermelho com seus significados e avisos de manobras de entrada e saída dos navios da nossa barra e porto.
De lambuja também estampou os pavilhões de Sociedades Recreativas da cidade, como a S.R. Anita, o Congresso Lagunense, 3 de Maio e Blondin, além da Sociedade Musical Carlos Gomes e dos jornais O Albor e A Cidade.

O comerciante utilizava-se já naqueles recuados tempos, do que hoje chamaríamos de marketing casado. 
Folheto com as bandeirolas e cores com seus significados. Arquivo: Marega
O lançamento do folheto foi um sucesso e tornou-se item de colecionador. Não havia quem não desejasse o seu exemplar.
Até porque, mesmo que o cronista diga que todos conheciam os sinais, parece quase impossível decorar a imensidão de variáveis das bandeirolas existentes, com a exceção, e evidentemente por dever de ofício, do sinaleiro que ficava postado lá no alto do morro.

E quem seriam os sinaleiros, os encarregados de levantar e baixar as bandeiras lá do topo do morro?
Ulysséa em seu livro já citado, pág. 66, nos relata sobre um deles, deixando seu nome à posteridade:

“No alto do morro estava edificado o Semáforo, em um pequeno pátio circundado de muro, tendo ao fundo uma casinha com dois pequenos compartimentos.
Era sinaleiro o Sr. Manoel Tomaz, claro, gordo, muito vermelho, bigode e cabelos alourados.
Sempre alegre e sorridente. Trabalhava de carpinteiro e fabricava caixões funerários. Sua oficina era na casinha do Pau de Sinal”.

Fiquei pensando cá com meus botões sobre o sujeito lá em cima, em sua solidão, com olhares em direção à Barra da Laguna à espera de um navio na linha do horizonte em busca do porto amigo.

“Pensativo e sorridente”, sublinha Ulysséa, sobre o "seu Maneca". Mas provavelmente pensativo às vezes, nos intervalos, a serrar e martelar pregos na feitura de caixões de madeira, quem sabe questionando a finitude da vida aqui na terra.
Ou acalentando sonhos e esperanças, fazendo da fé sua inspiração maior e buscando nas pequenas coisas, um grande motivo para ser feliz, como diria o poeta.

Um comentário:

  1. Bom dia...
    Muito bom, que bacana esta história... Eu realmente não imaginava, porque com os meus 45 anos, morro da glória sempre foi morro da glória... Eu até achava que o lugar antigamente já fosse foco de alguma atividade religiosa, que com o decorrer do tempo viria a contemplar o lugar com a estátua hoje tão conhecida... Mas quanta ingenuidade e desinformação de minha parte... Mais uma vez obrigado por essas pérolas de nossa história Lagunense.. Acho que isto ninguém nunca ensinou em escola nenhuma... Obrigado...

    ResponderExcluir